quarta-feira, 23 de março de 2011

A criança, o cuidado e o conhecimento de si e do outro


EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS, EXPRESSIVAS E CORPORAIS QUE
POSSIBILITEM MOVIMENTAÇÃO AMPLA, EXPRESSÃO DA INDIVIDUALIDADE
E RESPEITO/CONSIDERAÇÃO PELOS RITMOS, DESEJOS E NECESSIDADES
DO CORPO; PLANEJAMENTO, ORGANIZAÇÃO PESSOAL, DE SAÚDE, DE
CUIDADO E AUTOCUIDADO.
“O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio”.
SIGNORETTE, 2002

A CRIANÇA, O CUIDADO E O
CONHECIMENTO DE SI E DO OUTRO
Delimitação do campo de experiência
Um currículo de Educação Infantil, que tem como perspectiva a formação humana das
crianças, não pode desconsiderar o trabalho pedagógico com esse campo de experiência.
Ele diz respeito aos aspectos relacionados ao autoconhecimento da criança, bem como ao
aprendizado do autocuidado e do cuidado com o outro. Envolve, portanto as relações
sociais e afetivas ligadas ao aprendizado do “ser” e do “conviver”.
Cuidado/autocuidado é a capacidade que temos de, por meio da interação com outros
humanos, construir formas de identificar, valorizar e atender nossas necessidades básicas
de preservação da vida e da integridade corporal, necessidade de alimentação, de
segurança psíquica e física, necessidade de descanso, sono, repouso e higiene.
O cuidar é, portanto, muito mais que dar banho, que não deixar cair ou machucar. Cuidar
significa conhecer a criança em sua totalidade, ou seja, saber identificar necessidades
através da fala, dos gestos, do toque, do olhar, das produções, das relações e interações
com o outro. Os atos relacionados aos cuidados das crianças, apesar de estarem
determinados pela natureza, também estão impregnados de sentidos, construídos na cultura
por meio das relações permeadas pela afetividade e respeito.
Desta forma o ato de cuidar se relaciona ao ato de “conhecer- se a si mesmo”, uma vez que
para conseguir identificar as necessidades de seu corpo e atendê-las, as crianças precisam
aprender a se conhecer. Nesse sentido, a família e a instituição que atende crianças de zero
a seis anos têm um papel fundamental, na medida em que são mediadoras entre a criança e
a cultura.

Construção histórica

Desde os tempos mais remotos, as crianças aprendiam a se cuidar e a se conhecer nas
diferentes culturas, na relação que estabeleciam com os adultos ou com outras crianças
mais experientes e com sua própria natureza. Os cuidados e os conhecimentos sobre seu
corpo e suas necessidades iam gradativamente se constituindo na medida em que os
adultos, especialmente as mães, encarregavam-se de transmitir às novas gerações hábitos
e maneiras de ser e de conviver, próprias da comunidade em que as crianças eram
socializadas.
No que se refere ao atendimento às crianças pequenas em instituições coletivas, seu
surgimento é recente, data da revolução industrial. Essas instituições foram criadas para
atender às necessidades das mães trabalhadoras que, nessa época, ingressavam no
mercado de trabalho e não tinham onde deixar seus filhos. Nesse contexto, as creches
direcionavam as ações dos adultos junto às crianças. Com o passar do tempo, foram
surgindo instituições, denominadas “Jardim de Infância”, “Pré-primário” ou “Pré-escola”, que
tinham como função ensinar às crianças pequenas hábitos, bem como prepará-las para
escolaridades futuras. Essas instituições representavam mudanças nos valores e posturas
até então existentes.
Constituíram-se assim, uma dupla rede de atendimento às crianças pequenas: uma
responsável pelo cuidado e outra responsável pelo ensino. A visão, embora não explicitada,
era a de que quem educa não cuida e de que quem cuida não está apto para educar. Por
essa razão, essas atividades eram desempenhadas por diferentes profissionais, com
diferentes níveis de escolaridade.
Nos últimos 30 anos, com o fortalecimento dos movimentos feministas e com os avanços na
produção de conhecimentos sobre a criança, ocorreram em nosso país diversas tentativas
de melhor atender as crianças de zero até seis anos. Tivemos, assim, avanços significativos
na legislação e discutiu-se a dupla função da instituição de Educação Infantil, que é o
educar e cuidar das crianças de zero até seis anos. Para tanto, definiu-se a necessidade de
profissionais com formação específica, capazes de oferecer a esta criança a formação
integral nos aspectos: físico, afetivo, social e cognitivo.

A concepção de cuidado/educação adotada nos últimos anos na educação
infantil se apóia no reconhecimento de que para a criança tornar-se cada
vez mais sujeito humano, aprendendo e desenvolvendo-se, é necessário
que, no seu processo de formação, a pessoa que trabalha com ela atue
nas duas direções (FARIA; SALLES, 2007).

Hoje, desde muito pequenas, as crianças são inseridas nas instituições de Educação Infantil
e passam a conviver com outras crianças e adultos que acabam construindo vínculos na
interação. Mas este é um processo difícil! Estabelecer vínculos significa adquirir confiança,
aceitar ser cuidada e compreender a importância de cuidar do outro, que implica
compromisso, respeito, solidariedade, compreensão e ações pautadas em princípios,
valores e respeito com as pessoas.
Cuidar é ajudar, é suprir as necessidades do outro, ajudá-lo a superar as dificuldades em
que se encontra. Cuidar é também ajudar o outro a cuidar-se, orientar, educar, incentivar,
estar junto. O cuidado é percebido pelas crianças como expressão de carinho e interesse
pelo outro.

Desenvolvimento e aprendizagem pela
criança

Ao nascer, a criança se relaciona com o seu meio físico e social, estabelecendo vínculo
afetivo com a mãe ou com quem cuida dela. O mundo é apresentado a ela através do outro.
O vínculo afetivo, em determinados momentos, é a porta de acesso para a criança ingressar
neste mundo. A criança constrói sua identidade no contato com o meio, na construção do
grupo a que pertence, na relação com os conhecimentos e valores sociais. Para conhecer o
mundo é importante a proximidade com o outro, pois é nesse processo de interação que ela
aprende e se desenvolve.
O cuidado com o outro é concretizado em ações e atitudes realizadas para promover o
conforto e o bem-estar do outro. Acalentar, oferecer carinho, limpar o nariz, pegar a bolsa ou
os objetos pessoais para aquele que já vai embora, oferecer um brinquedo quando está
chorando ou um pedacinho do lanche quando se está triste, são algumas formas que os
pequenos utilizam para cuidar do outro. O toque físico é uma das principais manifestações
de cuidado e bem presente no cotidiano das crianças da Educação Infantil. O ato de tocar
aproxima as crianças entre si.
Em nossas instituições de Educação Infantil, podemos perceber nas crianças, gestos de
imitação dos adultos com os quais convivem: imitam falas, gestos e expressões. Nessas
mesmas reações, eles tentam imitar as ações de cuidado com o outro: tentar dar comida
para seu colega ao lado, colocar a chupeta na boca de um bebê que chora, ninar uma
boneca, lavar a boneca, oferecer o colchãozinho para dormir, colocar o lápis para medir a
temperatura ou, até fazer "massagem" em outras crianças após ter sido massageada.
Mais tarde, por volta dos três anos, a socialização torna as relações entre as crianças mais
fortes. Ter um amigo preferido, estar sempre junto e proteger começam a fazer sentido para
as crianças e um forte sentimento de solidariedade pode aparecer entre elas. Nas
brincadeiras é comum as crianças fazerem coisas ajudando umas às outras, uma ensinando
a outra como jogar um jogo ou como rolar um pneu, brincando juntas com um mesmo
brinquedo, em um mesmo lugar.
Também é comum nesta faixa etária o início do sentimento de solidariedade quando alguém
se machuca e alguns podem querer ajudar a cuidar do ferimento do outro, quando alguém
não trouxe o lanche ou quando está chorando.
Ao cuidar do outro, a criança começa a exercitar a ideia de se "colocar no lugar do outro", o
que é, inicialmente, bastante difícil para crianças tão pequenas, uma vez que ainda vivem a
fase do egocentrismo, isto é, pelas próprias características de seu desenvolvimento
cognitivo; nessa etapa da vida ainda não conseguem pensar no ponto de vista do outro. No
entanto, elas desenvolvem tal sentimento por imitação, baseando-se na forma como são
cuidadas pelos adultos mais próximos e de como estes as auxiliam, a perceber o que o
outro pode sentir, a necessidade de serem cuidadas e cuidarem do outro. Neste processo,
as crianças começam a desenvolver a empatia necessária para cuidar do outro.
É nesta fase também que se iniciam as primeiras manifestações de preconceito e
discriminação entre as crianças. Estes momentos precisam da intervenção do professor
como mediador das relações, incentivando atitudes positivas entre as crianças.

Fonte: Proposta Curricular de Educação Infantil - Nova Lima/MG

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